A Grande Lição do Calvário, Pe. Garrigou Lagrange
Estas duas qualidades do amor estão, muitas vezes, separadas em nós e no
entanto só podem viver intimamente unidas. A ternura sem a força torna-se
langorosa e piegas, a força sem nenhuma suavidade, transforma-se em rudeza
e amargura.
Ninguém pode exprimir o que foi a ternura de amor filial de Jesus
por seu Pai; se ele amava ternamente a Virgem Maria, quanto mais
ainda seu Pai, a quem rendia perpétua ação de graças e adoração!
Esta ternura sobrenatural se derramava e se derrama continuamente
sobre as almas, não apenas as de um certo país ou tempo ou sobre um
grupo restrito de alguns amigos, mas sobre todas as almas de todas
as gerações para lhes dar a vida eterna.
Este amor de Cristo tão terno é também mais forte que a morte, mais
forte que o pecado e que o espírito do mal. Foi ele que levou Nosso
Senhor a se oferecer como vítima para pagar em nosso lugar, para nos
salvar, dando a Deus uma reparação infinita que lhe agrada mais do
que todo o desgosto causado pelos pecados: Cor Jesu, fornax ardens caritatis - eis todas as ternuras e todas as energias do amor admiravelmente
fundidas. O Coração de Jesus é assim o mais puro espelho da
Misericórdia e da Justiça, as duas grandes virtudes do amor incriado
de Deus.
Os membros do corpo místico de Cristo devem cada vez mais
participar de sua vida para se tornarem semelhantes a Ele. A santa
humanidade do Salvador nos comunica progressivamente as graças que
mereceu por nós na Cruz, influxo da cabeça do corpo místico sobre
seus membros. Por este influxo Nosso Senhor quer nos assimilar, cada
vez mais, pelo batismo, absolvição, comunhão frequente, cruzes ou
purificações necessárias a nosso avanço, até a extrema-unção e a
nossa entrada no céu. Na vida de muitos santos vê-se essa
assimilação progressiva no modo pelo qual neles são reproduzidos os
mistérios da infância de Jesus, sua vida oculta, depois sua vida
apostólica e por fim sua vida dolorosa.
Ora, uma das grandes marcas do espírito de Jesus em uma alma, é a
reprodução nesta alma dos dois efeitos que derivam em Nosso Senhor
da plenitude da graça.
Primeiro, a paz, a tranqüilidade da ordenação cada vez melhor de
todos os sentimentos, de todos os quereres subordinados ao amor de
Deus e das almas em Deus, amor que cresce continuamente pela
influência atual de Cristo.
Em seguida, a aceitação da cruz, para seguir o Mestre,
como ele disse; aceitação com paciência, do contrário a
pena aumenta sem fruto; reconhecimento, pois está aí uma
graça escondida, vê-se melhor quando o fardo é levado
sobrenaturalmente; com amor, pois a cruz é Jesus
crucificado, que vem a nós para reproduzir em nós seus próprios
traços. Este amor dá o abandono e a paz. Aí se encontra a verdadeira
soberania, a contemplação divina.
O austero Luiz de Chardon diz com profundidade a este respeito,
comentando São Paulo: "Depois de termos admirado a violenta e
insaciável inclinação do espírito de Jesus para a Cruz
compreenderemos melhor como Ele a distribui pelas
almas que lhe pertencem pelos vínculos da graça... Entendemos
igualmente porque quanto maior é a elevação da alma em união com o
espírito de Jesus tanto maior será sua obrigação quanto ao
sofrimento... Também seria uma desordem da graça e
das máximas do santo amor, se membros alimentados por confeitos estivessem ligados a uma
cabeça transpassada de espinhos...
"Os membros são santificados pela mesma graça, que está em Jesus
como em sua fonte universal. Ora, esta graça de Cabeça é comunicada
a Jesus para a finalidade de sua missão, para que ele pague pelos
pecados dos membros à justiça rigorosa de Deus. Por conseguinte, ele
contrai a obrigação amorosa de sofrer provocando em seu espírito uma
inclinação violenta que o transporta continuamente para a Cruz. É
indispensável que esta graça incline do mesmo modo, com
o mesmo rigor as almas predestinadas, a fim de que o corpo místico não pareça um todo monstruoso na ordem da graça, onde o espírito de Jesus seria
contrário a si mesmo, sendo um nos membros e outro na
Cabeça..."
Assim, porque a graça decorre da alma de Jesus como de sua fonte
original onde ela produz um impulso dirigido para o fim pelo qual
Jesus se fez homem, é uma necessidade que a graça cause esta mesma
disposição naqueles que recebem a dignidade de nela
participarem".
Este é um efeito da graça cristã como tal. A
graça, por sua essência, é uma participação da natureza divina, mas,
pelo fato de que nos é transmitida pelo Cristo, tem uma modalidade
especial que nos configura a Ele como demonstra
Santo Tomás quando pergunta se a graça sacramental, em particular a
graça batismal, como tal, acrescenta alguma coisa à graça das
virtudes e dos dons como a que possuía Adão antes do pecado (III, q.
62, a. 2).
Luiz de Chardon acrescenta e une assim a doutrina de um Tauler ou
de um São João da Cruz à de Santo Tomás: "E porque esta espécie de
graça não pode ficar ociosa em uma alma... é ávida para crescer e como só pode ter um crescimento considerável com a
ajuda das cruzes... na nudez da graça, da qual suspendeu os efeitos sensíveis, Deus
não abandona a alma à sua própria fraqueza. Nisto há o propósito de fazer a alma
se conhecer e se desprender de si mesma... aderindo somente a
Deus... A união será mais estreita e mais íntima quanto maior a
separação de tudo mais.
"Daí que o mesmo amor é ao mesmo tempo princípio
de vida e princípio de morte...; unindo e separando...
afastando e causando adesões... A santidade de Deus comunicada a
suas criaturas produz uma privação geral de tudo o que é
incompatível com sua pureza imaculada.
"Gloriosa morte... Rica de uma fecundidade divina... Morte
entretanto mais cruel do que aquela que é o dever comum da
natureza... pois só deixa tristes desolações nas almas! No entanto
as almas bem instruídas sobre as propriedades do Amor sagrado e do fim que a santidade de Deus pretende
com todas estas provações, não quereriam trocar nem por
um instante seu rigoroso martírio pelas delícias embriagadoras do
Paraíso, nem a cruel espera de sua morte pela feliz vida da
glória".
É fácil ver a aplicação deste princípio na vida de
Maria. Como diz o historiador que repara o esquecimento em
que caiu a obra de Chardon: "Talvez, a atividade separante,
simplificante, despojadora da graça nunca tenha sido analisada com
maior penetração".
Relendo atentamente o belo capítulo da Imitação de Cristo (1. II,
cap. XI): "Do pequeno número dos que amam a Cruz de Jesus", vê-se
que a marca do espírito de Cristo é a paz e o abandono no
sofrimento, no acabrunhamento da Paixão, que se reproduz em diversos
graus nas almas para as purificar e para fazê-las trabalhar na
salvação do próximo em Nosso Senhor, com Ele e por Ele, com os meios
dos quais Ele mesmo se serviu. Jesus está assim, num certo sentido,
em agonia até o fim do mundo, no seu corpo místico até que este
corpo místico seja plenamente purificado e glorificado, até que se
realize perfeitamente a palavra do Mestre: "Venci o mundo", pela
vitória definitiva sobre o pecado, sobre o demônio e sobre a
morte.
Deste ponto de vista sobrenatural da fé, quando se contempla,
digamos, com o olhar de Deus o que nos diz a santa liturgia, vê-se o
quanto ela ultrapassa infinitamente os mais
sublimes elans da poesia humana.
"Salve Crux sancta, salve mundi gloria,
Vera spes nostra, vera ferens gaudia,
Signum salutis, salus in periculis,
Vitale lignum vitam ferens omnium.
"Crux fidelis, inter omnes arbor una nobilis: nula silva talem
profert fronde, flore, germine: dulce lignum, dulces clavos, dulce
pondus sustinuit.
O magnum pietatis opus! Mors mortua tunc est, in ligno quanto
mortua Vita fuit.
Nos autem gloriari oportet in Cruce Domini nostri Jesu Christi.
Crux benedicta, nitet Dominus qua carne pependit, atque cuore suo
vulnera nostra lavit".
* * *
Quando vossa alma dobrar-se sob o peso, apoiai-vos sobre vosso
crucifixo.
* * *
Concluamos com São Luiz Maria Grignion de Montfort (L' Amour de la
Divine Sagesse, 2a. P., cap. V):
"A Sabedoria Eterna fez da Cruz seu tesouro e em sua Encarnação
esposou-a com amor inefável; durante toda sua vida, que não foi mais
do que uma cruz contínua, carregou-a, pediu-a com indizível
alegria... Pregada finalmente e como que colada à cruz, com alegria
morreu abraçada à sua querida Cruz como num leito de honra e
triunfo... E não pensem que depois de sua morte, para melhor
triunfar, a Sabedoria Encarnada tenha se arrancado, tenha rejeitado
a Cruz... Não querendo que honra de adoração, mesmo relativa, seja
prestada a criaturas, por mais altas que sejam, como sua santíssima
Mãe, reservou esta honra para sua querida Cruz e somente a ela é
devida. A Sabedoria Encarnada, no grande dia do Juízo Final, acabará
como o culto das relíquias dos santos, mesmo as dos mais
respeitáveis; mas quanto às relíquias da Cruz, enviará os primeiros
serafins e querubins pelo mundo para ajuntar os pedaços da
verdadeira cruz que, por sua amorosa onipotência, serão tão bem
reunidos que não farão mais que uma só e a mesma Cruz em que morreu,
transportada assim pelos anjos... Precedida pela Cruz, colocada
sobre uma nuvem de brilho inigualável, a Sabedoria eterna julgará o
mundo com a Cruz e pela Cruz. Qual será então a alegria dos amigos
da Cruz... Esperando esse dia... a divina Sabedoria quer que a Cruz
seja o sinal, o caráter, a arma de todos os seus eleitos... Tendo
encerrado tantos tesouros, tantas graças de vida na Cruz só dá a
conhecer esses tesouros aos mais escolhidos... Como é preciso ser
humilde, pequeno, mortificado, interior e menosprezado pelo mundo
para conhecer o mistério da cruz! A quem carrega e suporta essa
cruz, a Sabedoria Eterna dará um peso eterno de glória no
céu".
(De "L' Amour de Dieu et la Croix de Jesus", Ed. du Cerf. 1o. vol.,
cap. VI, pág. 255. Tradução de Anna Luiza Fleichman)
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Nota: Este artigo foi extraído do site permanencia.org.br
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